Catarata Traumática

A evolução de recursos tecnológicos e de técnicas cirúrgicas trouxe uma melhoria importante no prognóstico da catarata traumática, mas sua avaliação e seu tratamento ainda exigem cuidados especiais

A catarata é uma complicação freqüente dos traumas oculares, podendo aparecer tanto precoce quanto tardiamente. A catarata traumática é a principal causa de opacidade cristaliniana unilateral e seu prognóstico depende do acometimento das estruturas oculares adjacentes. Os traumatismos são importantes por serem a principal causa de cegueira em indivíduos jovens, principalmente homens, havendo sérias implicações socioeconômicas.

Fisiopatogenia

A catarata traumática decorre da ação de forças físico-químicas sobre o cristalino, que alteram sua integridade e metabolismo. Além da ação mecânica, que é a mais comum, destacam-se a energia elétrica e térmica, as radiações (ultravioleta e microondas) e as queimaduras, principalmente por substâncias alcalinas.

Recentemente, as lesões oculares traumáticas foram reclassificadas por Kuhn et cols. em contusões, lacerações e rupturas. Nas contusões, o mecanismo de golpe-contragolpe tem papel fundamental, levando o cristalino a sofrer expansão equatorial. Essa expansão pode causar ruptura capsular ou zonular, além de alterações epiteliais ou metabólicas, induzindo a opacificação. Já nas lacerações e rupturas, há lesão direta das estruturas oculares. Nesse caso, há a possibilidade da presença de corpo estranho intra-ocular, que, de acordo com sua composição, pode permanecer inerte. Corpos estranhos metálicos, mesmo intracristalinianos, devem ser removidos, pois levam a siderose (ferro) e chalcose (cobre), condições de péssimo prognóstico. Os de material orgânico também devem ser retirados devido ao risco de endoftalmite.

Avaliação

A avaliação detalhada do paciente com catarata traumática é fundamental para a identificação das alterações oculares, planejamento cirúrgico e determinação do potencial visual do olho. As informações devem ser bem documentadas devido às implicações médico-legais associadas a esses casos. A história minuciosa das condições do trauma permite, muitas vezes, inferir a localização e a extensão das lesões, assim como a presença de corpo estranho.

O exame ocular consta da medida da acuidade visual com a melhor correção, sendo que a lente de contato rígida é muito útil nos casos de lesões corneanas. A estimativa do potencial visual pode ser feita pelo PAM, por fenômenos entópticos e, principalmente, pelo reflexo pupilar na avaliação da via visual aferente. A ectoscopia e o teste da motilidade extrínseca contribuem na detecção de lesões órbito-palpebrais e musculares. A biomicroscopia é essencial e os achados mais comuns são: lesões corneanas, assimetria na profundidade da câmara anterior, reação inflamatória (traumas recentes ou uveíte por partículas cristalinianas), anel de Vossius (pigmentação circular da face anterior do cristalino), sinéquias, iridodonese, facodonese, ruptura da cápsula anterior, subluxação do cristalino e herniação vítrea. A tonometria e a gonioscopia são importantes na identificação de recessão angular, pois os diversos tipos de glaucoma estão comumente presentes: por sinéquias, facoanafilático, facolítico, facotópico e facomórfico. A medição da visão de cores e da percepção luminosa, assim como o mapeamento de retina, faz parte da avaliação do segmento posterior do olho, que é freqüentemente acometido, limitando a recuperação visual final.

Entre os exames complementares usados, o ultra-som é o mais útil, pois além de ajudar na detecção de corpos estranhos contribui para a identificação de ruptura da cápsula posterior, hemorragia vítrea, descolamento de coróide e retina. O raio X e a tomografia auxiliam nos casos de corpos estranhos, mas a ressonância magnética não deve ser realizada na suspeita de material metálico. O eletroretinograma avalia a função retininana, principalmente na ocorrência de siderose e chalcose. O UBM pode demonstrar ruptura da cápsula anterior, presença de zônula e características do ângulo. A biometria requer cuidados devido às irregularidades corneanas, que dificultam a determinação da ceratometria (pode ser mais bem estimada pela topografia), e à presença de ecos atípicos no gráfico biométrico.

Tratamento

Apesar de o planejamento ser fundamental, freqüentemente a surpresa e a improvisação estão presentes na cirurgia da catarata traumática. Por isso, é essencial que o médico esteja preparado com recursos não utilizados rotineiramente, como: corantes capsulares, ganchos de íris, anéis endocapsulares, vitreófago, triamcinolona, diversas lentes intra-oculares, fio prolene 10-0, entre outros. O paciente deve estar consciente dos riscos e do prognóstico, e deve ter assinado termo de consentimento.

O tratamento cirúrgico deve ser eletivo sempre que possível, apesar de a catarata poder ser removida juntamente com o reparo da laceração ocular na urgência. Além de a avaliação e o planejamento estarem prejudicados, a biometria geralmente não é disponível.

A cirurgia de eleição é a facoemulsificação, preferencialmente sob bloqueio anestésico, devido ao tempo cirúrgico prolongado, incisão escleral ou conversão, manuseio da íris, fixação de anel ou lente intra-ocular e pupiloplastia, em muitos casos. A conjuntiva deve ser preservada ao máximo, com o uso de incisão corneana, pois diversos pacientes acabam precisando de cirurgias antiglaucomatosas. As técnicas de facochop são preferenciais por proporcionarem menor tensão zonular, com parâmetros menores, sempre que possível. Freqüentemente, a facoaspiração é factível pelo fato de os pacientes serem jovens. Excepcionalmente, faz-se a extração intra ou extracapsular do cristalino, considerando o maior risco de descolamento hemorrágico de coróide. Os procedimentos combinados com vitrectomia ou lensectomia via pars plana, trabeculectomia e transplante de córnea são indicados no tratamento concomitante de lesões múltiplas.

As dificuldades operatórias decorrem das opacidades de meios, que levam à diminuição do reflexo vermelho e da visibilização da câmara anterior. As sinéquias, sempre que possível, devem ser manuseadas no fim da cirurgia para evitar um sangramento inicial, sendo que as anteriores devem ser abordadas com tesoura de Vannas para evitar diálise da íris. A miose é contornada facilmente com o uso de ganchos, e a capsulorexe, complicada pela fibrose capsular e desinserção cristaliniana, com o uso de corantes. A emulsificação do cristalino pode ser prejudicada pela ruptura de cápsula posterior, subluxação do cristalino e presença de vítreo na câmara anterior, que deve ser removido no início do procedimento. Os anéis endocapsulares devem ser fixados se a luxação for maior que 120 graus. O uso de próteses irianas facilita a correção dos defeitos pupilares, quando não for possível realizar a pupiloplastia.

A lente intra-ocular deve ser de acrílico, com comprimento de pelo menos 13mm e zona óptica de 6mm para permitir melhor centração. Quando não for possível o implante no saco capsular, o sulco ciliar pode ser utilizado com relativa segurança pelo fato de a fibrose capsular oferecer um suporte resistente. A zona óptica da lente deve ser capturada na rexe, sempre que for exeqüível. Lentes de câmara anterior ou de fixação escleral e iriana devem ser usadas levando em conta a experiência do cirurgião e a presença de alterações como defeitos irianos, glaucoma, etc.

Os casos de catarata traumática tendem a ter uma resposta inflamatória exacerbada no pós-operatório, sendo útil o uso de antiinflamatório não-hormonal e esteróides em maiores doses. É importante evitar manipulação excessiva da íris, fazer aspiração completa do córtex e tentar colocar a LIO no saco capsular. As complicações tardias incluem síndrome da contração capsular, descentração da lente, descolamento de retina e glaucoma. É importante considerar o risco de ambliopia em crianças.